Piadinhas à parte
Carro atolado na praia, som alto, dias com 40h, duas refeições básicas e bebedeira
“Happy new year”, já diz o ABBA, “may we all have our hope – our will to try”.
Antes do grupo sueco existir com essa música tristonha de virada, nem sei como as pessoas faziam para desejar feliz ano novo e boas energias. Só sei que a expressão viralizou. Todos felicitam enquanto os fogos de artifício anunciam o novo. Deus disse “haja luz” e nasceu o ABBA moldando nossa existência.
Esse período dividido por todos os transeuntes da terra (vivo ou morto), conhecido como fim de ano, me bate um pouco mal. Médicos e psicólogos chamam isso de ‘dezembrite’, que é o acúmulo de pensamentos e cobranças pessoais, vulgo falta de dinheiro. Rico nem chega perto desses sintomas. Ainda mais que dezembrite lembra ‘Eternit’, foliculite e holerite. Repelente total.
Mesmo assim, com um ano conturbado profissional e psicologicamente, minha virada de 2023 para 2024 entregou tudo sem prometer nada! Se fosse planejado não seria tão gostoso. E olha onde a gente chegou!
Eu a tiracolo do namorado, reunido com familiares e amigos dele, na Prainha de Mambucaba, em Paraty. Corta para o fato de ser paratiense e ter ido para a Prainha pela primeira vez. Era uma região da cidade que só ouvia falar e conheci por meio de barra-mansenses. Tem lógica uma coisa dessa? O pessoal de Barra Mansa me apresentar praia?
Piadocas à parte, amei estar dois dias com cada um deles. O clima de comunidade quase sempre aumenta nessas festas nacionais onde cada um é um pouco filho e mãe do outro. Pai tem a coisa do abandono, então é melhor não trazer para a conversa.
Carro atolado na beira da praia, som alto, dias com 40 horas, duas refeições básicas apenas, um dormindo por cima do outro e bebedeira. O líquido se transforma em sólido tal qual àquela mágica famosa da água para o vinho. Ninguém se dá conta, mas é o puro suco do caos acontecendo simultaneamente. E é assim que é bom!
A coisa dos abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim foi à meia-noite, quando eu e Matheus (não é alter ego, o boy e eu temos os mesmos nomes) nos reiniciamos pelo caminho do afeto. Mas o mais bacana foi sentar (calma) na beirada da água com ele nas primeiras horas do ano e refletir sobre a oposição onipotente e dependente do mar. A gente fica reflexivo, não tem jeito. É quando sobe a cervejinha e aquele tapa na pantera da Maria Alice Vergueiro.
“O que seria um smartcamp?”, vi numa placa chegando na cidade, já no dia seguinte, e perguntei para ele: “Deve ser um camping com wi-fi”, respondeu. O começo do ano nos obriga a refletir o tempo todo.
Agora falando sério e sem militância aqui. Na Prainha, parecia existir uma regra não escrita que dizia que se alguém colocasse para tocar uma música boa teria que ir embora. Só se ouvia letra +18, proibidona, constrangendo alguns. As vozes dos cantores também tinha qualidade questionável. Não bastasse isso, havia sobreposição de músicas ruins, claro, porque cada um queria ouvir a sua.
Eu queria ouvir um ‘Reconvexo’, um ‘Toda Menina Baiana’? Queria sim, mas nem tudo é perfeito. Eu que ouça em casa. E outra coisa: a música desse período de festa é ‘Daqui Pra Sempre’, da Manu Bahtidão, hein!
Outro sucesso das férias é o copo ‘Stanley’, liberto do universo hétero e agora abrigado nas mesas dos gays, das tias, dos pretos. Até metade do ano o hype diminui, mas no Carnaval ainda vai ser hit.
“Não há mais champanhe e os fogos de artifício acabaram. Aqui estamos eu e você.” Não disse? ABBA sempre soube de tudo.
Patrimônio esquecido
A Prainha fica depois da entrada de Tarituba, onde foi gravada a novela ‘Mulheres de Areia’, aquela da Ruth e Raquel, em 1993. Eu não era nascido ainda. Lá também está o Centro de Referência Ciranda de Tarituba, gênero de “dança de antigamente” com valor imensurável para a cultura paratiense.
Digo isso porque parece que a Prainha não é de responsabilidade da gestão pública de Paraty. E é. Embora no imaginário seja um entrelugar com Angra dos Reis, ela pertence ao município assim como Trindade.
Quando perguntada, uma moradora disse: “aqui não tem prefeitura”. Realmente, nas placas de sinalização e nos pontos de ônibus é a associação de moradores o principal gestor da localidade.
Obras no segmento de pavimentação, saneamento básico e estudo ambiental (solo e água) deveriam estar no radar há anos, tanto para a dignidade dos moradores quanto para os visitantes.
Os rincões de Paraty não combinam nada com o título de Patrimônio Mundial reconhecido pela UNESCO.
Para Guimarães Rosa, “perto de muita água, tudo é feliz”. Será?



do nada, sacaram da cartola um "dezembrite". será que o termo se conserva até o fim de 2024 ou vai ficar perdido dentro de um copo stanley?